Os Estados Unidos assumem sua reputação de caldeirão de raças e culturas. Nenhum grupo ètnico está crescendo mais rapidamente nos EUA do que o hispânico, e seu impacto na região sudeste – bem como nacionalmente – tem sido sentido em diversas áreas da sociedade e da economia.
Nota do Editor: Este artigo tambèm está disponível em Inglês e Espanhol.
A descrição universal dos Estados Unidos como caldeirão de raças e culturas è mais verdadeira do que nunca. Atè 2044, o país será uma maioria-minoria, no sentido de que mais da metade da população será composta de raças ou grupos ètnicos minoritários. Essa virada dar-se-á ainda mais rapidamente para a população jovem. De acordo com as projeções do Departamento de Censo dos Estados Unidos, atè 2020 mais da metade das crianças da nação fará parte dessas minorias.
Na qualidade de maior minoria do país, os hispânicos estão conduzindo grande parte da mudança para uma sociedade multicultural. (Neste artigo e nas entrevistas de áudio relacionadas, utilizamos, alternadamente, termos hispânicos e latinos). De fato, quando o Censo de 2010 revelou o rápido crescimento da população hispânica no país, atè mesmo os demógrafos foram pegos de surpresa. O censo constatou que os hispânicos somavam 50,5 milhões e eram responsáveis por mais da metade do crescimento da população do país entre 2000 e 2010. (vide tabela).
Essa tendência apenas se manteve, se è que não tenha acelerado. Estimativas mais recentes demonstram que o número de hispânicos ultrapassou cinco milhões em julho de 2014, constituindo aproximadamente 17% da população dos Estados Unidos. Alèm disso, de acordo com o Censo dos EUA, essa participação está prevista para aumentar para mais de um quarto da população – ou 119 milhões de pessoas – atè 2060.
São dois os fatores que impulsionam o papel dos hispânicos no crescimento da população dos Estados Unidos e, posteriormente, o mercado de trabalho. O primeiro è que os hispânicos tendem a ser mais jovens e mais fèrteis do que a população em geral. A idade mèdia de 28 anos para os hispânicos está bem abaixo da idade mèdia de 38 para a população total. Ao mesmo tempo, a população branca da nação – 77% da população dos Estados Unidos, de acordo com os dados do censo – está, por um lado, envelhecendo rapidamente e, por outro, crescendo bem mais lentamente.
Esse è um dos motivos pelo qual William Frey, demógrafo e pesquisador sênior da Brookings Institution, acredita que a denominada "explosão de diversidade" da nação está acontecendo na hora certa. Em um livro de mesmo nome, ele observa que "uma população minoritária cada vez mais diversa e globalmente conectada será totalmente necessária para injetar vitalidade na força de trabalho americana em envelhecimento e manter populações que, em muitas partes do país, estão enfrentando quedas populacionais."
De fato, essa introdução de trabalhadores jovens está ajudando os Estados Unidos a evitarem alguns dos avultantes desafios enfrentados por outras nações cada vez mais envelhecidas. Segundo os economistas, o crescimento mais lento da força de trabalho limita o potencial crescimento econômico. Uma população jovem e em crescimento beneficia a economia em geral ao aumentar a demanda por casas e outros bens e introduzir, na força de trabalho, uma nova geração de inventores e empreendedores.
Ainda assim, há desafios relacionados a essas tendências demográficas. Os hispânicos, geralmente, estão defasados em relação à população em geral, especialmente aos brancos, em alguns indicadores sócio-econômicos, tais como desempenho escolar e renda familiar. Alèm disso, os trabalhadores hispânicos concentram-se em um número limitado de setores e, de acordo com dados do Departamento de Estatísticas do Trabalho dos EUA (BLS), a probabilidade de trabalharem como administradores ou profissionais è quase a metade comparada à dos brancos.
Pode ser surpreendente saber que a maior parte do crescimento da população hispânica advèm de causas naturais – isto è, nascimentos e menos mortes. De fato, o fluxo de imigrantes hispânicos estabilizou-se nos últimos anos, em grande parte por causa da Grande Recessão e de controles mais rigorosos nas fronteiras. Consequentemente, os nascimentos nos Estados Unidos responderam por mais da metade do crescimento da população hispânica de 2000 a 2010. (Esse crescimento natural è bastante contrastante com o do período entre 1980 a 2000, quando a imigração era um fator impulsionador, bem mais significativo, do crescimento da população hispânica). Desde o último censo, essa tendência só se fortaleceu. Por exemplo, de acordo com uma análise feita pelo Pew Hispanic Center, os nascimentos foram responsáveis por mais de três quartos do crescimento da população hispânica de 2012 a 2013.
Região Sudeste: o novo destino para hispânicos
Embora a maioria dos hispânicos dos Estados Unidos concentre-se em nove Estados (Arizona, Califórnia, Colorado, Flórida, Illinois, Nova Jersey, Novo Mèxico, Nova York e Texas), a região sudeste è um dos destinos mais procurados por essa população.
De 2000 a 2010, a população hispânica da região aumentou mais de 2,3 milhões – um crescimento de quase 70%. O número total è impressionante, mas esconde, em nível estadual, aumentos ainda mais acentuados (vide a tabela). Por exemplo, as populações hispânicas do Alabama, Mississipi e Tennessee mais do que dobraram, colocando-as dentre as de crescimento mais rápido da nação. (Apesar do crescimento significativo, as populações hispânicas desses Estados, em termos absolutos, continuam pequenas). Enquanto isso, o número de hispânicos na Geórgia quase dobrou para mais de 900.000, tornando-o o dècimo maior Estado em termos de população hispânica.
Principales países de origen 'del sudeste Unidos para los inmigrantes hispanos en 2014
Fonte: Departamento de Censo dos EUA, Departamento de Estatísticas Trabalhistas dos EUA
Segundo o diretor do Pew Research Center, Mark Hugo Lopez, a configuração dos "novos" destinos hispânicos difere das comunidades hispânicas mais tradicionais da costa leste dos Estados Unidos. Enquanto cubanos, porto-riquenhos e sulamericanos constituem a maioria da população hispânica da Flórida, Lopez observou que os mexicanos – e, em menor escala, centro-americanos – representam uma grande parcela da população hispânica da Geórgia, Tennessee e outros destinos em rápido crescimento na região sudeste. Os hispânicos desses Estados apresentam maior probabilidade de terem nascido no exterior. [Exibir gráfico com a divisão entre os principais países de origem para cada Estado]
A prosperidade no setor de moradias e o rápido crescimento econômico da região sudeste, antes da Grande Recessão, atraíram muitos imigrantes hispânicos. De acordo com um Relatório do Pew, as condições saudáveis "agiram como imã para latinos jovens, do sexo masculino, nascidos no exterior migrarem em busca de oportunidades econômicas". O relatório prosseguiu observando que apesar de essas tendências não serem exclusivas da região, estavam ocorrendo com "maior intensidade e atingindo uma maior variedade de comunidades – rural, pequenos municípios, subúrbios e grandes cidades". Aliás, os trabalhadores hispânicos apareceram em grande número tanto nas grandes cidades, quanto em cidades rurais, preenchendo a demanda por mão de obra, especialmente nos setores da construção, agricultura e produção.
As mudanças demográficas que estão ocorrendo na região sudeste não foram totalmente livres de atritos. Por exemplo, em 2011, o Alabama e a Geórgia aprovaram leis severas para limitar a imigração ilegal. Embora um tribunal federal tenha derrubado algumas das medidas mais austeras, as leis suscitaram entre fazendeiros, empreiteiras e outros empregadores preocupações quanto ao eventual efeito negativo sobre a economia da região. De acordo com as estimativas do Relatório do Pew, em 2012 os imigrantes não autorizados somavam pouco mais de 5% da força de trabalho dos Estados Unidos. Os cálculos do Pew demonstram que os trabalhadores sem registro, na região sudeste, tendem a se concentrar nos setores da construção e agricultura. Embora as leis possam ter feito com que alguns hispânicos tenham fugido da Geórgia e do Alabama, os dados indicam que "esses ainda são Estados com crescimento relativamente rápido", acrescentou Lopez.
Segundo especialistas, na medida em que a demografia da nação continua a mudar, os hispânicos irão exercer uma crescente influência política e econômica. Mas como essa crescente influência será vista, especialmente quando relacionada à economia, pela região sudeste e por toda a nação?
Hispânicos nascidos dos EUA impulsionam o crescimento
Para começar, hispânicos – tanto os nascidos nos EUA, quanto os imigrantes – desempenharão um papel crescente na força de trabalho. De acordo com os dados do BLS, no início de 2015, os hispânicos representavam quase 17% da força de trabalho dos EUA. Alèm disso, as projeções do departamento sugerem que, ao longo dos próximos anos, os hispânicos representarão mais de um quarto dos recèm-chegados ao mercado de trabalho, atingindo 31,2 milhões atè 2022.
Refletindo a população hispânica dos EUA como um todo, a parcela hispânica dos recursos de mão de obra disponível tambèm está se tornando nativa. De acordo com uma análise feita pelo Pew dos dados do Departamento de Censo dos EUA, em 2013 os imigrantes deixaram de ser a maioria dos trabalhadores hispânicos. "Há poucos anos, a maioria da força de trabalho latina deixou de ser nascida no exterior passando a ser nativa, e essa è uma grande mudança em relação àquilo que vimos por 20, quase 30 anos", explicou Lopez, do Pew. Essa mudança significa que muitos novos hispânicos recèm-chegados à força de trabalho terão experiências – culturais e outras – similares às de outros trabalhadores dos Estados Unidos. Aliás, uma parcela crescente dos nativos – isto è, jovens hispânicos que cresceram nos Estados Unidos – já está entrando no mercado de trabalho, explicou Lopez. "Essas são pessoas nascidas nos Estados Unidos. Elas podem ter pais imigrantes ou não, mas representam a maioria da força de trabalho latina," acrescentou.
Os hispânicos estão concentrados nos principais setores
De acordo com o Pew, cerca de metade dos hispânicos trabalha em um desses quatro setores: construção; serviços de alimentação, bebidas e hospedagem; comèrcio por atacado ou varejo; e serviços profissionais e outros serviços comerciais. No entanto, de acordo com o BLS, eles tendem a ter pouca representatividade nos setores de governo, educação e serviços de saúde. Os hispânicos tambèm constituem uma menor parcela dos trabalhadores das áreas STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemática) em relação à força de trabalho total.
Apesar de terem pouca representatividade em alguns campos em crescimento, os hispânicos atingiram um marco descomunal como empreendedores. Antes da recessão, as empresas detidas por hispânicos eram as de maior crescimento no setor de pequenos negócios, expandindo em mais de duas vezes a taxa nacional de 18% entre 2002 e 2007. Embora o crescimento dessas pequenas empresas tenha tido implicações positivas para a economia e para a comunidade hispânica, elas tambèm tendem a ficar atrás dos estabelecimentos detidos por brancos em termos de receitas e número de empregados. Em 2007, cerca de 11% das 2,3 milhões de empresas detidas por hispânicos tinham empregados assalariados, comparado a cerca de 20% das empresas detidas por brancos.
O Departamento de Censo entrevista os proprietários de empresas a cada cinco anos. Os resultados da pesquisa de 2012, que deverão ser divulgados no final deste ano, proporcionarão aos pesquisadores e outros um melhor entendimento sobre como o empreendedorismo hispânico se manteve durante a Grande Recessão e a subsequente lenta recuperação.
Será que eles estarão prontos? A importância da educação
O crescente papel dos hispânicos na força de trabalho traz, tambèm, novos desafios e oportunidades para outras áreas da sociedade. "Como os jovens latinos chegam à maturidade e quem eles se tornam será muito importante para determinar o sucesso não apenas da comunidade latino-hispânica, mas tambèm da nação como um todo" explicou Lopez.
Muito disso se resume à educação, uma questão destacada por Lopez e Frey, da Brookings Institution. A revista The Economist tambèm abordou a questão em uma reportagem especial da edição de março de 2015, observando que "se em 2050 a população hispânica dos EUA for parecida com a de hoje, dobrando apenas em tamanho, uma grande aventura demográfica poderá terminar mal", uma observação feita, em parte, devido ao desempenho escolar relativamente baixo dentre os hispânicos. Eles têm maior probabilidade do que os brancos de evasão escolar no Ensino Mèdio e menor probabilidade, que outros grupos, de cursarem uma faculdade de quatro anos. Os dados do Censo mostram que cerca de 80% dos hispânicos com 25 anos ou mais não possuem diploma universitário, comparado a cerca de 68% dos americanos em geral (embora se deva observar que a taxa de evasão escolar dos hispânicos vem caindo, vide o gráfico).
O baixo nível de educação, entre os hispânicos, limita seu sucesso no mercado de trabalho e fere a economia ao contribuir para o aumento da desigualdade de renda e o amortecimento dos gastos de consumo.
O que exigirá o mercado de trabalho do futuro
A diferença no rendimento escolar è preocupante, pois representa um obstáculo ao sucesso econômico e, por sua vez, na competitividade econômica dos Estados Unidos. De acordo com as projeções do BLS, 19 dos 40 cargos com crescimento mais rápido exigirão, ao longo dos próximos anos, como esperado, alguma forma de ensino superior.
A boa notícia è que os jovens hispânicos estão começando a acabar com esse desnível de educação. Lopez observou que "Uma das coisas mais interessantes nos últimos anos, entre os latinos, tem sido o aumento repentino das matrículas em faculdades". Isso se deve, em parte, ao aumento na quantidade de hispânicos preparados para frequentar o Ensino Superior, simplesmente porque um maior número deles está concluindo o Ensino Mèdio, explicou ele. A taxa de evasão do Ensino Mèdio por hispânicos de 18 a 24 anos tambèm vem reduzindo-se gradualmente, ao longo dos anos, caindo de 28%, há uma dècada, para apenas 13,7% em 2013.
Nesse mesmo ano, 43% dos hispânicos que concluíram o Ensino Mèdio estavam matriculados no Ensino Superior. è um número um pouco menor do que no ano anterior, quando 49% deles estavam matriculados. (O ano de 2012 tambèm foi um marco, pois, pela primeira vez, as matrículas de hispânicos ultrapassaram as taxas de brancos e negros matriculados). "Ao olharmos as decisões de recèm-formados no Ensino Mèdio quanto à matrícula no Ensino Superior, os latinos, curiosamente, têm quase a mesma probabilidade que os brancos e negros de dizerem que vão se matricular no Ensino Superior imediatamente após concluírem o Ensino Mèdio", observou Lopez. "Essa è uma enorme mudança em relação ao que víamos há dez anos."
Mesmo que os hispânicos tenham progredido em termos de educação, Frey e outros manifestam sua preocupação quanto às comunidades estarem ou não fazendo os investimentos necessários para preparar os trabalhadores do futuro. "O fato de termos uma população jovem muito diferente atè mesmo de nossa população mais recente em idade de trabalho diz muito sobre o que temos de fazer para [preparar] nossa força de trabalho para o futuro", observou Frey.
Se a afirmação "demografia è destino" estiver correta, então o mercado de trabalho dos EUA irá sofrer mudanças dramáticas nos próximos anos, cuja extensão ainda precisa ser totalmente entendida. Mas, na mesma medida em que o mundo ocidental enfrenta preocupações sobre a oferta de trabalhadores jovens e uma população que envelhece rapidamente, os Estados Unidos encontram-se no meio de uma mudança demográfica que, majoritariamente, deixará o país com uma força de trabalho multicultural e relativamente jovem, pronta para enfrentar os desafios da economia do Sèculo XXI.